Muller diz que poderia ser melhor do mundo hoje e detona a nova geração: "Cérebro de passarinho"

Ex-atacante culpa tática por fim do improviso no futebol, garante que caso da água batizada em 1990 é mentira e explica por que não quis ser técnico: "Não tenho paciência para jogador ruim"

GloboEsporte.com / Emilio Botta, Leandro Canônico e Mateus Benato


O prêmio de melhor jogador do mundo teria mais um forte candidato se Luís Antônio Corrêa da Costa jogasse futebol nos dias atuais. A avaliação é dele próprio, Muller, apelido com o qual fez fama ao ser multicampeão pelo São Paulo, brilhar em um dos maiores times da história do Palmeiras e conquistar uma Copa do Mundo com a seleção brasileira.

Comentarista esportivo na TV Gazeta, Muller tem opiniões fortes e polêmicas. Afirma que o futebol não produz mais jogadores como na época em que atuou profissionalmente, entre 1983 e 2004. Por isso, considera que nos dias atuais brigaria pelo posto de melhor do mundo.

– Não vou falar só eu, mas vários contemporâneos com certeza brigariam como melhor do mundo. Lógico, desde que jogassem na Europa. O jogador brasileiro jamais, um craque, um gênio, jamais foi, jamais seria o melhor do mundo jogando no Brasil. Nós sabemos disso. Então teria que ir para a Europa disputar a Champions, jogar nas grandes ligas para tentar ser o melhor do mundo. Mas vários companheiros meus com certeza estariam brigando para ser o melhor do mundo todo ano, não só um ano.

– Quando comecei a jogar futebol, Oscar, Darío Pereyra, Careca, Pita, Serginho Chulapa, Waldir Peres sempre falaram a mesma coisa: "olha só, você é bom e já subiu, mas o segredo não é esse, o segredo é permanecer lá em cima". Eram frases que não conhecia até então, porque vim de uma família muito pobre, fui aprendendo com os mais velhos, porque eles eram mais experientes e sabiam mais da bola. A gíria do boleiro fala, eles eram bandidos da bola, então eu procurava sempre me inspirar, estar perto deles para sugá-los da melhor maneira possível para dar seguimento na minha carreira – explicou Muller.

Em entrevista ao Abre Aspas, na sede da Globo em São Paulo, Muller explicou porque considera os jogadores atuais menos cerebrais que os de antigamente. Segundo ele, a força física tomou o espaço da inteligência, fazendo com que muitos tenham "cérebro de passarinho", colocando cada vez mais o talento e a individualidade em segundo plano no que chama de "futebol moderno".

– Tudo o que a gente vai fazer começa na cabeça. E o futebol não é diferente. Eu sempre uso uma frase que é: a cabeça joga tanto quanto os pés. O jogador hoje tem muita força, mas ele pensa pouco. O jogador hoje conduz a bola para passar, antes a gente dava um tapa para chegar. São dinâmicas diferentes. Hoje o jogador corre para chutar, antigamente ele ajeitava para bater.

– Se eu pego uma bola diagonal e vou correndo com ela, correndo, correndo e chuto, claro que vou cair em alta velocidade. Agora, se ajeito para bater, tenho maior possibilidade de acertar o gol, de fazer o gol. Pensamento, raciocínio, o jogador hoje como tem muita força, o cérebro dele é de passarinho, ele não pensa muito. Então, infelizmente, a gente vê hoje no Brasil o protagonista ser a força. Muita, muita força – analisou.

Ficha Técnica

Nome: Luís Antônio Corrêa da CostaApelido: Muller Idade: 59 anos (31/01/1966)Profissão: ex-jogador profissional e atualmente comentarista esportivoCarreira como jogador: Operário-MS, São Paulo, Torino, Kashiwa Reysol, Palmeiras, Perugia, Santos, Cruzeiro, Corinthians, São Caetano, Tupi, Portuguesa, Ipatinga e Fernandópolis. Títulos: Copa do Mundo (1994); Mundial sub-20 (1985); Libertadores da América (1992 e 1993); Supercopa (1993); Recopa Sul-Americana (1993 e 1998); Mundial de Clubes (1992 e 1993); Brasileirão (1986 e 1991); Copa do Brasil (2000); Série B da Itália (1989/90); Campeonato Paulista (1985, 87, 1991, 92, 96 e 2001), Campeonato Mineiro (1998), Torneio Rio-São Paulo (1997), entre outros. Carreira como comentarista: Band, Sportv, Record e TV Gazeta.

Muller considera o bastidor do futebol sujo, se autodenomina politicamente de direita e explica por que acha que a tática tem acabado aos poucos com a individualidade do futebol brasileiro. A invasão de técnicos e jogadores estrangeiros também influencia, segundo ele, na qualidade dos novos talentos.

– Qual é a principal virtude do jogador brasileiro? É um drible, o individual. Isso aprendi na base, você é atacante, pegou no mano a mano, parte para cima. Não tem volta, é só um caminho. Claro que existem várias vertentes, o atacante que dribla parado, outro que dribla em movimento. O jogador brasileiro hoje é atacante, ele pedala diante do lateral e toca para trás. Se o meia não tocar do meio campo para o goleiro não é futebol moderno. Graças a Deus não vivi isso, porque imagina só ter que atrasar uma bola para um zagueiro lá do campo de ataque? Isso nunca entrou na minha cabeça e nem na cabeça dos meus contemporâneos. Mano a mano, você supera o adversário ou ele vai te superar de alguma maneira. Esse princípio de bola, do drible, o jogador perdeu.

– Outro dia fui em uma categoria de base, não pode falar nome, e o treinador falou para o atacante de beirada: "não, não, não, domina a bola, não dribla, toca para trás, vamos recomeçar". Quer dizer, se o recomeço é lá atrás, depois de estar na frente, não entendo muito essas dinâmicas, não entendo e não aceito. Porém, infelizmente, o nosso futebol é assim. O zagueiro pega mais que o volante na bola, o goleiro pega mais que o volante. Eu acho um absurdo, mas a geração de hoje acha que é um futebol moderno. Eu acho que é uma neura, um atraso de futebol. Vamos fazer o quê? Todo mundo tem jogadores que nem o Manchester City? Não, com certeza não.

Muller ainda considera que os jogadores que formavam o banco de reservas na Copa do Mundo de 1994 são melhores que os jogadores titulares da atual geração. Mais do que isso, o ex-atacante acredita que os suplentes do treta atualmente brigariam pelo título da Copa.

– Não dá para comparar, as individualidades de 94 não se comparam com nenhuma geração de hoje, esquece. Seja no titular, seja no banco. Nós vencemos Copas com individualidade, o Romário sendo protagonista em 94, em 2002 protagonista o Ronaldo e o Rivaldo. Individualidade. Você reparar um erro ou uma necessidade atrás é muito mais fácil do que procurar uma solução na frente. Assim nós vencemos as Copas, os treinadores não tinham muito trabalho atrás, assim como as peças de reposição. Hoje não. O Ancelotti olha para o banco e vê quem? Ninguém.

– Os reservas de 94 eram Ronaldo, eu, Viola, Paulo Sérgio, Cafu... O Branco estava no banco. Mais para a frente, Ronaldo e Cafu se tornaram protagonistas das outras Copas. Com certeza, os reservas de 94 tinham mais possibilidades de ganhar uma Copa do que a geração de hoje.

Abre Aspas: Muller

ge: Você está com 59 anos. Como avalia a sua carreira olhando para o passado e como vive atualmente em uma nova função dentro do ambiente do futebol?

Muller: – Depois que parei de jogar entrei na televisão, em 2006, na Band, como comentarista. E de lá para cá fui só aprendendo a lidar com a câmera, a perder a timidez da câmera, da televisão, do fone, que tenho neura hoje com fone. Não sou contra, mas estou dizendo que não gosto. E já estou há 18 anos como comentarista, feliz, trabalho na Gazeta e tenho toda a liberdade para poder expressar as minhas opiniões. Dentro de um respeito, de não falar palavrão, aquela coisa toda.

– Acho que estou muito feliz com a minha carreira de comentarista. Uma coisa que não esperava, nem sabia que poderia chegar a ser e com o tempo fui gostando. Olho para trás e vejo que no começo errava bastante, ficava com medo da câmera, a câmera me engolia. Hoje é diferente, eu engulo a câmera. Você acaba aprendendo com os erros e aprendendo a lidar com o estilo, a dinâmica da televisão.

Você acha que tomou mais porrada como jogador ou como comentarista?

– Acho que como comentarista, porque na televisão é diferente, são mundos diferentes. A televisão é refém do público, ele te julga que você fala isso, aquilo, e isso aí acho meio cruel. Mas hoje não me importo mais com isso, tanto é que nas minhas redes sociais não leio comentários, seja bom ou ruim. Gosto de ver as visualizações como todo mundo, porém, ler comentários bons ou ruins, não gosto.

Considera que a rede social tirou muito da personalidade do jogador de futebol em entrevistas, na postura diante do público?

– Sabendo usar a rede social é legal, não podemos ser reféns das coisas. É bem verdade que a rede social invadiu, é uma terra de ninguém. Posso criar um perfil falso e falar alguma coisa e criticar. Infelizmente as pessoas na sua maioria são reféns das redes sociais. Gosto muito de falar com os meus amigos, mas reconheço que a rede social é uma ferramenta de trabalho. Uso principalmente para isso, nem fico aquele tempo todo vendo a vida dos outros, não gosto. Eu gosto de WhatsApp, falar com os meus amigos de futebol.

– Antigamente, fazendo um paralelo, o jogador ouvia o treinador, a família, a namorada... Hoje não, ele ouve primeiro o empresário, depois a rede social, a mulher ou a namorada, a família e por último o treinador. Mudou tudo. A cabeça do jogador de futebol mudou também. O jogador no vestiário antes de acabar o jogo, no intervalo, já está olhando a rede social, se tem crítica, acho que não é bom.

Qual a origem do nome Muller?

– Quando cheguei em agosto de 1982, o meu irmão, o Muller, que jogou no São Paulo nos anos 1970, depois foi vendido para o futebol mexicano, fez carreira lá... Cheguei para jogar no amador, que hoje se chama base e ninguém me conhecia. Todo mundo me conhecia como o irmão do Muller. E já na base, o treinador disse assim: "olha, não vou te chamar de Toninho, de Luís Antônio, porque para o futebol não pega legal. Eu vou te chamar de Muller como teu irmão, que para o futebol esse nome é mais forte e vai coincidir se você for um bom jogador". Eu não tinha feito o teste ainda. Depois, no outro dia, fiz o teste, passei e ele me falou: "a partir de hoje você não é mais Luís Antônio, você vai se chamar Muller aqui".

E como o Muller comentarista analisaria hoje o Muller como jogador?

– Considero um bom atacante se ele jogar nas três, na direita, esquerda e no meio. E eu fui mais além, na minha carreira joguei na direita, na esquerda, no meio e atrás. Joguei em quatro posições em alto nível, porque naquela oportunidade tinha que ser bom mesmo, senão você ficava no meio do caminho. Hoje um jogador de futebol do pé direito joga na esquerda, a perna esquerda joga na direita. Se ele for para o outro lado do campo, o desempenho não é bom porque ele não vai ser aquele jogador, como se estivesse em outra posição. Eu acho que é um jogador limitado quem joga só em uma posição, o atacante, de alto nível. Então analisaria o Muller como um jogador multifuncional, em todas as posições que jogou conseguiu ter sucesso, porque lá na frente é 90% improviso e 10% tradicional. Atrás é diferente, ao contrário, é 90% o tradicional e 10% o improviso.

Por que a sua carreira não atingiu o máximo na Europa?

– Porque fui para um time mediano na Itália. O Torino é como se fosse um time mediano aqui no Brasil e na Itália não é diferente, até hoje. Mas só que à medida que fui jogando, naquele campeonato que estava num nível muito alto nos anos 1980, nós caímos para a Série B e eu fiz 11 gols. E para fazer 11 gols num time limitadíssimo, eles diziam assim: "poxa, o cara tem que ser bom, porque o campeonato é muito alto nível".

– Você sabe que às vezes a gente vira produto do meio. Acho que o ambiente onde a gente trabalha, onde vive, com o passar do tempo, gera uma certa acomodação. Você acaba gostando do somatório de coisas que vai vivendo, seja dentro ou fora de campo e acaba tomando decisões assim. Sabia que era um bom jogador, já era jogador de seleção brasileira, vinha de um Mundial de 86 no México.

– Eu dizia assim: a mudança geográfica não pode mudar o jogador, o que tem que me mudar é aprender cada vez mais e permanecer lá em cima. Por isso que permaneci no Torino, não quis ir para o Milan, Lazio, a Roma, Barcelona, não quis. Eu preferi permanecer no Torino, porque, como disse, já tinha criado um ambiente favorável para a minha pessoa, amigos. Por isso que a minha carreira não decolou de uma maneira mais plena como aqui no Brasil. Joguei num time mediano. Aqui no Brasil joguei só em time grande, em especial no São Paulo, Palmeiras. Fez toda diferença.

Você chegou a ter um salário maior do que o do Maradona na Itália?

– Era o segundo estrangeiro mais bem pago da Itália, perdia só para o Maradona, e jogando em um time mediano. Então, para mim, estava tudo certo, falei: vou sair daqui para quê? Caímos para a Série B, voltamos para a Série A, voltei para a seleção brasileira jogando a Série B. Eu não esperava a convocação, naquela época a concorrência era muito grande, havia vários grandes jogadores no ataque e no meio. O que eu menos esperava naquela oportunidade era voltar para a seleção brasileira.

Você foi casado com uma "Chacrete". Como acha que sua vida seria hoje estando em páginas de fofoca, sendo frequentemente assediado por manter um relacionamento entre famosos?

– Numa proporção maior por conta das redes sociais. Você sabe muito bem se vai a uma coletiva de imprensa de um time grande para entrevistar um jogador ou um treinado. Antigamente não tinham dez jornalistas de jornal, rádio e televisão. Hoje, só de influenciador tem mais de 30 num time grande. A coletiva de um treinador hoje é um evento praticamente. O treinador está respondendo perguntas de jornalistas conceituados aqui em São Paulo, muito bons, que são referência já há décadas e de uma nova geração que às vezes nem entende de futebol, mas só fala do que lê, não do que vê.

Acha que a sua vida extracampo, as suas atitudes como atleta e as suas atitudes quando não era atleta prejudicaram o seu desempenho na Europa?

– Não, absolutamente. Acho que o jogador, quando é novo, atravessa a parede. Quantas vezes, quando jogava no São Paulo, chegava para o treinamento de sexta para sábado virado da noite. E treinava normalmente, acabava o treino, almoçava e dormia a tarde toda. Depois, no outro dia, estava totalmente recuperado. Porque você é jovem, o metabolismo é muito acelerado e você recupera rápido. Diferente de um jogador de 40 anos, 45 que seja. As minhas atitudes extracampo jamais atrapalharam as minhas práticas dentro de campo.

– Quantas e quantas vezes ficava uma semana sem treinar e chegava no domingo fazia dois gols. Hoje conta bastante porque o futebol é muita força. Antigamente tinha força, mas tinha muito talento das equipes brasileiras. Então, se jogava muito mais. Pensava muito mais para jogar, hoje se corre muito mais e depois pensa. Como é que se fala hoje? Sextou? Já na minha época sextava, moleque, sangue no olho. Vou ficar em casa? Não. Minha mãe morava comigo. Mãe, vou para a noite. "Deus abençoe. Não faz besteira". Acho que não mudava muito o desempenho de campo por conta da juventude.

Ainda bem que naquela época não tinha celular e rede social...

– Hoje é uma neura, pô. Estou na Globo, né? Virou um Big Brother a céu aberto, pelo amor de Deus.

A seleção brasileira perdeu a individualidade, os jogadores protagonistas?

– Os jogadores da seleção brasileira são bons nos seus times, a maioria. Especialmente o Raphinha no Barcelona, o Vinicius no Real Madrid. Eles são protagonistas, arrebentam no jogo, mas na Seleção não jogam, não são protagonistas. O Brasil não tem um time hoje, não tem uma cara. Quantas e quantas vezes vi isso no século passado, na minha época. A gente não tinha uma cara, mas tinha individualidade que fazia muita diferença, sempre a individualidade venceu a Copa do Mundo na nossa Seleção.

– Pega 70... Poxa vida, quantas individualidades. Você acha que aqueles três pernas esquerdas do Brasil de 70 jogariam hoje? Um treinador diria: "não, tem três na esquerda, vai desestabilizar o meu esquema tático". Isso acho uma revolução tática, o que Zagallo fez em 70. Vamos pegar de lá para cá, sempre fizeram diferença porque eram jogadores fora de série. Hoje, não são protagonistas no grupo e muito menos no individual. Nos seus clubes são, mas na Seleção, hoje, não.

Essa individualidade que falta ainda pode ser o Neymar?

– É tão fácil falar do Neymar. Em qual sentido? Nós sabemos da sua capacidade técnica. Até minha filha de nove anos, a Rebeca, sabe. Mas... O Neymar precisa estar bem fisicamente, única e exclusivamente bem fisicamente. Se ele estiver bem fisicamente, vai dar uma contribuição muito grande para a Seleção. Acho que o grande desafio do Neymar é chegar na Copa bem fisicamente, aí ele vai fazer uma grande Copa, pode ajudar o Brasil. Agora, são várias coisas táticas, técnicas, que são diferentes, distintas.

– Se o Neymar de hoje jogar perto da área, acho que tem grandes possibilidades de ser um protagonista da Copa. Mas é difícil assimilar isso, porque sempre foi um grande jogador, um protagonista partindo do meio-campo e ultrapassando os adversários e chegando na cara do gol. A sua principal característica foi essa, mas hoje esse Neymar não existe mais. Se ele chegar bem fisicamente no Mundial e jogar perto da área, tem grandes chances de ser um protagonista.

A situação atual do Neymar passa por acomodação, motivação, foco...?

– Ele é uma estrela mundial, o extracampo a gente não tem que se preocupar, tem que se preocupar com o campo. Como falei, se ele estiver bem fisicamente, está tudo certo. O extracampo é viver a vida do dia a dia que ele quer, acho que a gente não pode entrar nesse mérito. Eu entro no mérito do campo, desempenho, praticidade. Se ele jogar mal, critica. Se ele jogar bem, aplaude. E na maior parte das vezes, se estiver bem fisicamente, com certeza vai jogar bem, ajudar a seleção brasileira, o Santos, o time que estiver jogando.

Você pegou em 1994 o jejum de 24 anos sem títulos igual agora. Acredita que a chegada do Ancelotti vai ajudar?

– Nas datas Fifa o Ancelotti vai ter que contar com a sorte, o individual, porque não tem tempo de treinar. O que ele terá é o pré-Copa, que são aqueles 40 dias, só. Ali ele vai ter que dar uma cara para a Seleção para poder conseguir superar as dificuldades no Mundial. Ele vai fazer o quê? Primeiro, fechar a casinha, arrumar a defesa para depois pensar no ataque, apesar que não precisa pensar muito no ataque, nós sabemos os jogadores que praticamente vão estar lá: Rafinha, Vinicius, Neymar, Pedro. O Milan dele, que foi campeão da Champions, era assim. Ele fechava com aquela defesa que já era da seleção italiana, e depois deixava a individualidade fazer a diferença.

O futebol atual mudou muito?

– A gente não vê muitos jogos de 4 a 4, 5 a 5, 3 a 0. Por quê? Como falei, a dinâmica é totalmente diferente. A dinâmica fica muito atrás do que lá na frente. Isso não gosto, como ninguém gosta. Os treinadores hoje têm esse conceito. E o treinador brasileiro acha que tem que copiar o estrangeiro que está aqui, que vem, tem mais paciência, tem mais confiança da diretoria. E ele acaba ficando para trás, porque os europeus pegam as coisas boas nossas e levam. Nós pegamos as coisas ruins dos europeus e trouxemos para cá. Infelizmente, é isso. O time de base hoje tem treinador estrangeiro. Não sou contra, até porque o Abel, para mim, é o melhor treinador estrangeiro do Brasil hoje. E é um grande treinador. Eu sou contra treinador ou jogador estrangeiro vir e não fazer nada.

– O que o Sampaoli deixou de legado, já que essa palavra é tão famosa hoje? O que o Caixinha deixou? O que o Coudet deixou? Não deixaram nada, são treinadores medianos. A gente dá uma grande pompa para eles. O Sampaoli chegou naquele super Flamengo e não fez nada. Ele só ficava andando para lá e para cá, na beira do campo. O que ele deixou de bom? Deixou uma herança maldita, tem que pagar a multa rescisória dele. O Vitor Pereira, que hoje é protagonista na Inglaterra, o que ele fez de bom no Flamengo e no Corinthians? Nada. Então, eu não bato palmas para esses treinadores ruins que nós tivemos aqui.

– O Abel, sim, tem que aplaudir. É um grande treinador, entrou dentro da cultura do nosso futebol, aprendeu e conheceu o nosso futebol. E por isso que está há cinco anos sendo protagonista e ganhando títulos importantes. Gostaria de ter o Abel na seleção brasileira, mas reconheço também que os nossos treinadores brasileiros precisam crescer mais, precisam despertar. Eu achava que o Jorge Jesus, quando veio, ia acontecer um despertamento no nosso futebol na classe de treinador. Não houve, muito pelo contrário, houve uma avalanche de treinadores portugueses.

O que você acha do Luxemburgo, Felipão... Treinadores que fizeram muito sucesso no passado, mas foram, aos poucos, sumindo no mercado.

– Acho que deu a época deles. O Luxemburgo, que para mim foi o melhor, Felipão... Eles já têm mais de 70 anos, acho que têm outras prioridades na vida. E está tudo certo. Se estivessem com 60, 50, aí sim, com certeza estariam na prateleira de cima.

Como você avalia a chegada de tantos técnicos e jogadores estrangeiros?

– Pega um estrangeiro, desde que seja bom e venha fazer a diferença. Pega-se um jogador estrangeiro, desde que venha fazer a diferença. Arrascaeta, estou dando um exemplo. Os clubes brasileiros pediram para a CBF jogar para nove (o número de gringos), aí quem prejudica? A base é prejudicada. O Zubeldía não gostava de jogador jovem, tanto é que ele só colocou os jovens quando machucou todo mundo. Hoje em dia o treinador estrangeiro não está nem aí com a base, diferente do Abel. Não quer saber mais, traz dois meias, dois atacantes, dois zagueiros, e a base que se dane. Quando um time ganha a Copa São Paulo, quantos jogadores vão para o time de cima? Se forem dois é muito. Para que a Copa São Paulo? Não revela.

Por que o Muller treinador não rolou?

– O meu irmão me encheu o saco para ser treinador. "Pô, você é inteligente". Só que como não tenho paciência com jogador ruim, não vou jamais fazer o jogador fazer o que eu fazia. Porque hoje a cabeça do jogador mudou. Imagine só um treinador das antigas chamando a atenção de um jogador, falando palavrão, aquela coisa toda. Ele vai te processar, é assédio moral. Antigamente, a linguagem do futebol sempre foi normal. O treinador vomitava na sua cabeça. Hoje não pode fazer mais isso.

O Telê tinha paciência com jogador ruim?

– Ele era rabugento, mas tinha paciência com jogador ruim ou com quem ele achava que podia melhorar. Ele dizia que um jogador ruim no time bom fica bom. Na minha época tinha treinador ruim, porque vi que eram ruins, mas o time era bom. Então, a bondade do time encobria a ruindade do treinador.

O que aconteceu entre você e o Telê? Como era a relação com ele?

– Não é que eu tive uma decepção com o Telê. Pode ser decepção, sim. Fiquei chateado com ele, porque em 1994, quando a gente perdeu o tricampeonato da Libertadores para o Vélez, no Morumbi, com 120 mil pessoas... Depois daquele jogo, o Telê falou para a diretoria que eu e Palhinha estávamos acabados. Tipo assim, dessa planta não vai sair mais água. E eu fiquei chateado. Por quê? Porque depois de tantos títulos que nós conquistamos juntos, ele falar uma coisa dessa.

– Ele veio conversar comigo. Eu disse assim: "olha professor, uma atitude errada não anula muitas atitudes certas. Eu queria dizer em outras palavras isso. Nós conquistamos tantos títulos juntos, foram sete com os torneios internacionais. E depois de uma perda frustrante, seria certo o senhor dizer que eu já não tenho mais o que dar para o São Paulo? Realmente eu estou triste contigo". Mas a vida continuou para os dois lados.

– Tanto é que em 96, o Fernando Casal de Rey assume como presidente, a primeira coisa que ele faz é me trazer de volta. Eu falei assim: "olha, na cabeça deles eu estava acabado, mas não quis provar. Na na prática vocês viram o que eu fiz". Então acho que nesse sentido fiquei decepcionado com o Telê, porque a gente tinha um relacionamento tão bom, durante anos de conquistas. E de repente ele fala isso, para eu e Palhinha irmos embora. Eu fiquei triste.

Quando você confrontou o Telê, o que ele disse?

– Ele disse: "eu já contratei o Ailton (do Benfica), e ele vai ser mais do que você". O Telê falou isso comigo. Eu disse que seria difícil. Acho que não estava errado.

Aproveitando que você citou o Palmeiras de 96 e o São Paulo de 92/93, imagino que tenham sido os melhores times que você jogou...

– Não sou muito chegado em comparação, porque acho que cada um na sua época. Mas o São Paulo de 86, tecnicamente falando, era mais time do que o São Paulo do Telê. E conquistou menos. Então, quando falo assim: "o Messi não joga 10% do que o Maradona jogava e o cara fala, mas o Messi tem seis bolas de ouro. Não estou falando de conquista, estou falando de bola. São coisas distintas".

– O Maradona era um doido da cabeça, mas era um gênio, um Albert Einstein da bola. Eu vi o Maradona, joguei várias vezes contra ele, e era um gênio da perna esquerda. O Messi não chegou aos pés do Maradona. Eu tenho essa opinião, acho que o São Paulo de 86, que tinha seis na Seleção, é bem verdade que o time do Telê tinha oito, mas o São Paulo do Cilinho foi muito mais time em termos de individualidade.

– O Palmeiras de 96 foi uma seleção, 104 gols na época em que o nível do nosso futebol era muito alto, a gente sobrava. Foi uma época de divertimento, porque a gente ia para o jogo insaciável. "Vamos fazer cinco, seis gols e acabou". Fizemos oito no Botafogo de Ribeirão Preto, não porque o time era fraco, porque o nosso time era muito mais forte. E a gente provava isso, fazia três a zero e não se acomodava no resultado. Acho que esses três times foram de grande aprendizado, que, graças a Deus, fiz parte deles e dei um pouco da minha contribuição.

Vamos fazer um mata-mata, então. Um mata-mata, dois jogos entre o São Paulo de 93 e o Palmeiras de 96, quem levaria?

– Eu gosto mais de mata-mata, pontos corridos é uma chatice do inferno, pelo amor de Deus. É difícil, o mata-mata é que nem pênalti, é momento. Os dois no auge é briga boa. O time do Telê era pró-ataque, o do Luxa era pró-ataque, acho que o Palmeiras ganhava. Mas é muito difícil você dizer. O Palmeiras era uma seleção.

Aconteceu mesmo o lance da água batizada na Copa de 1990?

– Uma grande besteira, nunca aconteceu isso, não aconteceu nada. Água batizada, não sei onde... O Maradona sempre viu neura nisso, mas não sei de onde ele tirou isso. Acho que foi um folclore criado pelo Maradona na época, porque nunca aconteceu isso, o Branco passar mal com aquela água batizada, nada a ver. Mito. Literalmente, não faz sentido nenhum.

– Aquele foi nosso melhor jogo na Copa. As duas seleções entravam juntas, a maioria dos jogadores se conhecia. O Caniggia já estava jogando na Itália, na Atalanta. E naquela espera para entrar no campo, ele olha para mim e diz: "Muller, pelo amor de Deus, pega leve hoje, tá?".

– Na minha cabeça, falei: "vamos golear". Nosso time era melhor do que a Argentina. Em dez minutos, a gente já tinha colocado três bolas na trave. E eu falei: "hoje não vai ter pra ninguém, não tem jeito, vamos atropelar". E não aconteceu. Na única jogada que o Maradona fez na Copa resultou no gol do Caniggia. Ele jogou meia-boca, porque estava muito mal fisicamente, e o nosso melhor jogo foi aquele. A gente perdeu muitas chances de gol. O futebol, nesse ponto, é cruel mesmo, quem erra menos é campeão, quem erra menos ganha o jogo. Ninguém imaginava que ia perder para a Argentina, a gente já estava fazendo a programação porque a gente ia para Firenze pegar o próximo adversário. E acabou acontecendo o que vocês sabem.

Um dos momentos mais marcantes da sua carreira foi bastante aleatório, o gol decisivo do Mundial de 93, contra o Milan. Eu queria que você apontasse exatamente onde aquela bola bateu antes de entrar. O que aconteceu antes, durante e depois daquele lance?

– Aquele jogo, tecnicamente, não foi bom. Até porque o italiano dá muita ênfase à defesa. As chances que nós criamos, nós fizemos. O Milan teve mais chances, a bola na trave do Massaro, o cabeceio do Răducioiu. O gramado do estádio de Tóquio segurava a bola quando ela quicava. A gente tinha muitas jogadas ensaiadas.

– Quando o Cerezo olha para mim, sabia que ele ia relançar porque a gente fazia isso direto. Eu parti, e ele lançou, só que a bola segura e quando vou disputar com o Rossi, ela está mais para ele. Na velocidade que vinha, o atacante geralmente pula para não machucar o goleiro. No que pulo, o Rossi cai já com a bola. Ele, em vez de segurar, rebate. No que rebate, estou pulando e o meu pé de apoio é o esquerdo. O pé direito fica para trás, a bola bate no calcanhar direito e está em uma direção... Disputei a bola do lado do gol, não foi na frente, a bola tomou uma direção diagonal e entrou. Quando olho, já está lá dentro. Foi um milagre mesmo, não tem outra explicação.

E você vai em direção ao Costacurta...

– Cinco minutos antes, disputei a bola com ele. Uma bola de cabeça, é impossível o jogador subir com os dois braços amarrados no corpo. Não dá. No que antecipo a subida, o meu braço sobe aberto e bate no nariz do Costacurta. Aí ele começou a me xingar, eu xingar ele. Eu xingo e cinco minutos depois acontece o gol. Quando acontece o gol, vi a bola lá dentro. Se vocês ouvirem, ele está na minha frente com a mão na cabeça. Eu perdi a razão, xingo. Foi isso que aconteceu.

– O que se faz em campo, fica em campo. Tanto é que no Mundial de 94, na decisão, antes do jogo tinha um show da Whitney Houston e do Kennedys, a gente estava assistindo do lado, conversando. Teve agora, ano retrasado, a comemoração dos 30 anos do Mundial, o Costacurta veio e gravei um vídeo com ele que viralizou bastante, a gente conversando, batendo papo.

O Muller segue sendo pastor e frequentando a igreja?

– Desde pequeno eu sou evangélico. Minha mãe não me chamava para ir à igreja, ela me obrigava a ir. Continuo evangélico, pastor. Gosto muito de ler a Bíblia, independentemente de circunstâncias adversas da vida isso não abala a minha fé. Tudo o que um jogador famoso faz tem uma dimensão muito grande. Time grande, tudo é grande, foi isso que aconteceu. Às vezes, dou palestras em diversas denominações evangélicas. Não todos os dias, claro, mas algumas vezes por mês.

Em 2009, você se filiou ao PC do B. Em qual lado da política o Muller está hoje?

– Eu sou um simpatizante da direita. Estava com um amigo meu, ele falou para ajudar, se filiar ao partido. E eu fiz isso. Depois eu mudei e fui para o Avante. Hoje sou mais simpatizante dos Republicanos, mas gosto da direita.

Quando você saiu do Corinthians em 2001 falou que o futebol era um meio sujo. Que tipo de sujeira ao longo da sua carreira você viu no futebol? O que você estava se referindo ali?

– Ali não era nada que fizeram para mim, foi uma declaração ao longo de quase 20 anos de carreira. Eu disse que o futebol era sujo, não na sua essência, campo, e sim no bastidor. O bastidor do futebol é sujo até hoje, o campo não. O campo é pleno, o campo é imaculado. Mas o bastidor do futebol, acho sujo.

Dê exemplos do que você viu de sujeira no futebol...

– Não dá para especificar, porque no mundo de hoje, que todo mundo é neurótico, uma vírgula significa uma frase. Eu sou uma pessoa muito verdadeira, não fico em cima das minhas declarações. Nos bastidores da bola, é sujo na sua maioria. Eu não falei de mim, falei do contexto do futebol extracampo. No jogo de futebol, hoje, quantas câmeras são? 25, 30, 40? Não dá para ser sujo, o cara puxa o cabelo do atacante e é expulso. O campo jamais será manchado, o campo é limpo, o extracampo, para mim, continua sujo. Não na sua plenitude, mas em alguns setores.

Você acha que poderia ter ganhado mais dinheiro? Algumas decisões que você tomou te prejudicaram?

– Poderia ter tido mais sabedoria e pessoas melhores para me ajudar. Hoje o jogador tem um staff, acho muito legal isso. Ele tem uma equipe por trás pra ajudá-lo, acho excelente. Eu nunca tive, sempre comecei e venci sozinho, na raça, sem ninguém me ajudando, só a minha mãe, mas de longe, depois ela veio morar comigo. Imagina só um menino muito pobre de Campo Grande, chego em São Paulo e conquisto o São Paulo, a torcida, o Brasil, a Seleção. As coisas vêm muito rápido e você não está preparado sozinho, é mais difícil superar e permanecer numa plenitude de vitórias.

Qual o técnico que mais contribuiu com o seu desenvolvimento como jogador?

– O Cilinho, porque era no começo da minha carreira, ele apostou no meu futebol, afiançou a minha permanência no profissional, porque vivi uma revolução no futebol amador. Eu era quinto reserva e subi para o profissional, a ordem cronológica estava inversa. Tive o Cilinho, o Telê Santana, o Luxemburgo... O Luxemburgo é a soma de todos esses que falei.

– Durante dois meses, o meu treinador no Torino (Luigi Radice) nem olhava na minha cara. Ele dava aquele bom dia genérico e virava as costas e saia. O cara que se dane, o importante é jogar. E um certo dia, no treinamento, a gente estava batendo a bola, ele me chamou e disse, muito seco: "sabia que você é um craque? O Careca está voando com o Maradona no Napoli, se você colocar 10% da sua capacidade no campo, você é melhor que todos. Sim, melhor que o Careca, porque você é um gênio, mas você não sabe o que é".

– Aquilo me agigantou de uma maneira tão grande que comecei a aliar a velocidade com a técnica, foi uma bomba do meu coração positivo. Virei o jogador que fui por conta dessa frase que ele falou. E nunca tinha conversado comigo. Esses três treinadores marcaram bastante, três excelentes treinadores, mas o Vanderlei é a soma dos três. O Vanderlei é incomparável.

– O Vanderlei é pai e amigo, um treinador diferente demais. Ele chegava na preleção e dizia assim: "depois do jogo não quero ver ninguém no hotel, vamos para a noite". Então, com certas frases, ele ganhava o grupo, sem perder o comando. Era um treinador muito flexível, amigo do jogador, brincava com todo mundo, mas na hora de se falar sério... O jogador brasileiro nunca gostou de tática na minha época, mas o Vanderlei dava um treino tático que todo mundo gostava. A capacidade do Vanderlei era muito alta, em dez minutos falava algumas palavras motivacionais, certas coisas da bola.

– Eu dizia para o Djalminha e o Rivaldo: "você não gravou isso? Para daqui 30 anos, mostrar para nossos filhos, nossos amigos". Muitas coisas que vejo no futebol o Vanderlei fazia há 30 anos, era um cara adiantado no seu tempo. Era um gênio como treinador.


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