Órgão da CBF aponta R$ 160 milhões em dívidas pagas em 2024 e rebate críticas de clubes

Câmara Nacional de Resolução de Disputas prevê redução de 20 meses para 12 meses em sentenças entre clubes, mas destaca trabalho na "base da pirâmide"

GloboEsporte.com / Raphael Zarko


Alvo de queixas de dirigentes nos últimos tempos, a Câmara Nacional de Resolução de Disputas da CBF promete reduzir o prazo das sentenças em 2025 e mostrar ao ambiente do futebol que o pagamento de mais de R$ 160 milhões em dívidas somente no ano passado é sinal de evolução.

Fundada em 2016, a CNRD entrou de vez na mira de dirigentes que se queixam de lentidão em resolução de casos e sentenças supostamente benevolentes com devedores.

O ge teve acesso ao relatório da CNRD relativo a 2024 , que ainda será divulgado para todo o mercado do futebol. O documento apontou que, entre a distribuição do processo e a sentença do caso, a média é de 27,5 meses – ou seja, pouco mais de dois anos para as sentenças que saíram em 2024.

Com última ampliação de equipe em 2023 – desde estrutura de secretaria à contratação de advogados, passando pelo aumento de cinco para 10 membros julgadores e diminuição da maioria dos casos para três e não cinco julgadores -, a meta da CNRD é reduzir tempo máximo de sentença em todos os tipos de casos .

Hoje, a CNRD funciona em quatro divisões:

Intermediação - casos entre agentes e clientes ou outros intermediários Trabalhistas - arbitragem trabalhista da relação contratual de atletas e membros da comissão técnica com os clubes Comercial - trata dos casos entre clubes . Entre eles, cobranças de mecanismo de solidariedade, indenização por formação, compensações por transferência de atletas.Regulação - trata da análise de cumprimento de decisões. Não é incomum haver mais de um acordo entre as partes quando há descumprimento. Desde a fundação, a CNRD homologou 511 acordos em 445 processos diferentes. Isto se deve à necessidade de realizar dois, três ou até mais acordos

Entre eles, aqueles que envolvem altas dívidas entre clubes de futebol – quase sempre os que terminam em maior repercussão. O objetivo é sair dos atuais 20 meses para máximo de 12 meses – nos casos gerais, o tempo médio é de 27,5 meses.

- Hoje a gente está conseguindo resolver muito mais casos antigos. Casos extremamente complexos que foram ficando pelo caminho, o que faz, consequentemente, que suba a média de tempo de tramitação. A tendência é que a gente tenha, em 2025, ainda subindo levemente, mas depois vai começar a ver queda acentuada – explica o coordenador-geral da CNRD, Rafael Fachada.

No órgão criado pela CBF desde a criação em 2016, o advogado não foge dos problemas que a CNRD passou nos últimos anos, mas contemporiza caso a caso. No próprio documento, lembra, há reconhecimento de que a CNRD “estava longe do ideal' pela perda de “celeridade frente à crescente demanda que ocorria'. Mas ele quer fechar 2025 tendo sentenciado todos os processos que entraram até 2024.

- Isso significa que o meu tempo de julgamento vai passar a ser de um ano. Pode ser menor? Pode. Pode ser sempre menor, melhor.

Um dos casos mais emblemáticos que está em pauta na CNRD envolve a cobrança do Cuiabá ao Corinthians, num valor total de cerca de R$ 20 milhões pela compra do meia Raniele – a lista dos corintianos é grande dentro da CNRD, assim como ampla maioria dos clubes de Série A, com raras exceções.

A CNRD não revela nomes de agentes, jogadores, membros de comissão técnica e nem clubes envolvidos nos seus casos em disputa – são quase 2 mil casos em nove anos de estrada. O que significa que Rafael Fachada não pode comentar especificamente as disputas mais ferrenhas. No entanto, ele rechaça suposições de pressões políticas de bastidores que interfiram nas lentidões de casos ou nas sentenças.

- A gente tem vários problemas, a gente os aponta no boletim. Mas interferência política a gente nunca sofreu. Nunca recebemos pressão ou uma ligação ou algo que não é do dia a dia do normal quando se está resolvendo um caso. Eu acho que essa crítica acaba sendo trazida porque existe a visão geral de que o futebol tem muita interferência política, que tem todo um ambiente por trás, que não é do dos melhores... E aí quando você começa a ver que a CNRD está realmente demorando um pouco mais do que deveria ou não está conseguindo entregar tanto quanto ela deveria, no meio dessas críticas acaba surgindo essa da política, mas ela não faz nenhum sentido na nossa operação - afirma.

Acordos, planos coletivos e parcelamentos

Rafael Fachada acentua que, apesar dos grandes casos chamarem mais a atenção do público, a CNRD tem cumprido o papel com a “base da pirâmide'. Dos 1.827 processos que já chegaram à Câmara desde 2016, houve sentenças para cerca de mil – apenas 11% correspondem à disputa entre clubes. A grande maioria trata de casos entre agentes e jogadores (53%).

Quando se olha para os valores das causas, 57% são até R$ 200 mil. Acima de R$ 1 milhão correspondem a 14% dos casos que chegam à CNRD.

Outro dado relevante: 21% dos requerentes (aqueles que acionam a CNRD como credores) são clubes de disputas estaduais, 27% da Série B, 8% da C, outros 8% da D. Na A, são 28%. Entre aqueles requeridos (os que foram acionados), 48% são da A. Ou seja, O grosso da “carteira de clientes' da Câmara são “pessoas físicas e muitas pessoas jurídicas com orçamento modesto' e “envolvem valores menos expressivos', diz um trecho do relatório.

- O que vai para mídia muitas vezes é o caso de não sei quantos milhões. Só que a grande maioria dos nossos casos são casos menores, são casos de atletas que tem as vezes R$ 3 mil, R$ 4 mil a receber, de clubes que estão cobrando mecanismo de solidariedade. A CNRD acaba sendo muito relevante para essa base da pirâmide. Claro que ali no meio você vai ter também casos maiores, você vai ter clube de Série A cobrando, mas a gente também trabalha muito com essa com essa base.

O relatório da CNRD informa o índice de 25% de acordos entre todos os casos que entram na Câmara . O que é considerado positivo. Quando perguntado sobre a percepção da má qualidade desses acordos do lado do clube cobrador, o coordenador da CNRD explica em duas etapas.

Primeiro, diz que em casos de acordos por parcelas pré-determinadas, a CNRD não os estabelece.

- Em acordos, as partes falam diretamente. A gente (CNRD) tem algumas estruturas em que podemos deferir um parcelamento para evitar uma sanção. Hoje, o parcelamento que a gente comumente adota em alguns casos é um 30% de entrada e mais 6 parcelas iguais, que é o que está previsto na legislação nacional – diz Fachada.

O coordenador-geral da CNRD lembra de um caso em que o atleta não aceitou proposta do clube para pagar em 36 vezes, mas topou o “30 + 6'. A CNRD deferiu o acordo, o clube não pagou, sofreu transfer ban da CBF e tentou derrubar a sentença na Justiça do Rio. O caso subiu para outra câmara Cível do TJ-RJ sem efeito e o clube teve que regularizar os pagamentos para encerrar o transfer ban.

- O que eu percebo, às vezes, é que o ambiente jurídico e o ambiente empresarial são consideravelmente diferentes. Em expectativas, em tempo, em série de coisas. E o Direito vai oferecer aos devedores, a gente gostando ou não, algumas estruturas para que eles consigam pagar a dívida da forma menos agressiva possível. Não tem como fugir desse ambiente – comenta o coordenador da CNRD.

A segunda observação de Rafael Fachada diz respeito à recente adesão de série de clubes em recuperação judicial. Ele lembra que os últimos três anos houve esforço dos advogados da CNRD para que as RJs não afetassem “de maneira muito prejudicial os credores dentro da Câmara'.

- A gente não tem como evitar que a recuperação judicial aconteça. Mas a gente tem como criar teses, criar estruturas para que o credor que está aqui na CNRD, ele pelo menos receba tudo sem deságio. Ainda que de uma forma parcelada.

Alvo de críticas pela “suavidade' das cobranças, a CNRD tem visto como positivo o movimento de clubes dentro do órgão em fechar os chamados “acordos coletivos' – basicamente, colocar diversos credores numa fila de pagamentos, com parcelas mais suaves e ao longo dos anos, o que provoca reações diversas.

- Imagina um clube que tem ali 80, 90 credores. Se cada processo a gente tiver que dar um andamento para aplicar uma sanção, isso gera 80, 90 trabalhos. Com os planos coletivos a gente consegue reunir isso tudo num único processo, cria um plano de parcelamento para o clube ir pagando ao longo do tempo. E aquelas 80, 90 análises, 80, 90 andamentos acabam virando uma só. E aí com isso a gente consegue, de um lado, criar um fluxo previsível de pagamentos para o clube.

- No começo, a gente recebeu muitas críticas, a gente recebeu muitas indignações com os planos coletivos. Mas a gente sempre pediu para o mercado: “olha, espera que uma vez que ele comece a rodar, vocês vão ver qual é o benefício disso'. E isso foi se provando ao longo do tempo. Os clubes hoje que entram com um plano coletivo, eles pagam mais do que não tendo. Porque os processos conseguem andar mais rápido, porque fica uma coisa mais estruturada. Consequentemente, os credores acabam recebendo mais. Boa parte desses R$ 160 milhões que a gente fez com que credores recebessem no ano passado tem a ver com os planos coletivos também.

Fair Play financeiro

Os membros da CNRD devem participar das discussões sobre Fair Play financeiro, que a CBF vai levar à mesa nos próximos meses, com expectativa de começar a valer em 2026. Rafael Fachada lembra que, na ausência de regras e sanções possíveis dentro do sistema de finanças saudável no mercado brasileiro, “tudo desagua na CNRD'. Em outras palavras, sobrecarrega a Câmara da CBF.

- Desde um descumprimento que não tem nenhuma discussão jurídica, desde um simples inadimplemento, isso acaba sendo discutido na CNRD. E a CNRD não era para isso. Em teoria ela deveria estar resolvendo casos em que existe uma discussão jurídica, uma discussão factual. Como você não tem essa estrutura prévia, gera um sobretrabalho para a CNRD analisar algumas coisas. Uma vez que a gente consiga ter uma estrutura de fair play financeiro funcionando, a gente vai conseguir, muito provavelmente, diminuir inclusive o número de processos que ingressam na CNRD, e a gente vai conseguir aumentar a celeridade dos processos na CNRD.


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